O pai apenas abanava a cabeça a cada novo argumento dos filhos, o que aumentava ainda mais a irritação dos cinco. A filha mais nova era a mais indignada.
– Ela é feia, chata, burra e te trata mal. Só você não vê que ela é uma interesseira?
Maridos e esposas dos filhos já tinham, prudentemente, saído da sala. A conversa era por demais delicada para que dessem opinião e, além do mais, não tinham opinião para dar. Se o sogro era lúcido e senhor dos seus atos, não seriam eles a se opor ao namoro. Mas também não entendiam que as coisas tivessem chegado ao ponto que chegaram, o sogro aceitando migalhas de gentileza, quando não maus tratos da mulher que ele apresentava aos amigos com orgulho, e que tinha tomado conta da casa, dominado empregados, mudado a rotina e se apropriado da agenda do senhor do lar, que se limitava, na sala ao lado, a abanar a cabeça, se recusando a discutir o assunto.
– Papai, eu não aceito e não vou aceitar nunca. Pode escolher: é ela ou eu.
– Calma, Andréia. Também não é assim.
– Eu não vou ter que aguentar a velha mandando em tudo e maltratando o papai. Se depender de mim, não mesmo!
– Papai se divide, ele disse que viaja para Paris com a velha no réveillon e depois nos encontra em Londres.
– É isso que você quer, papai? Se dividir? Ficar à mercê da velha aguentando papo chato e superficial das amigas horrorosas dela?
Na sala ao lado genros e noras repassavam os fatos.
Luzia tinha sido apresentada ao sogro por um dos filhos, decisão unânime e conversada entre eles para aliviar a tristeza de um luto que estava se prolongando demais. Ela tinha chegado de mansinho, tomado conta do espaço aos pouquinhos, de início simpática, mas decidida a se impor na família. Com o passar do tempo as garras tinham sido mostradas, deixando claro que quem mandava na casa era ela.
Ele assistia aos mandos e desmandos da nova mulher, impávido. Acatava ordens e aceitava atrasos, logo ele, tão pontual. Parecia que a recém-chegada fazia de propósito. E era. Cachorro fazendo pipi, demarcando território. Instaurou-se um cabo de guerra entre os filhos e a “velha”, como se referiam a ela, construído de pequenas fofocas espalhadas propositalmente e de comentários desabonadores feitos de lado a lado. Migalhas de críticas levadas pelo vento que chegavam ao patriarca e eram varridas, por ele, para debaixo de um tapete imaginário.
Quando os filhos perceberam, o estrago estava feito, e aquela reunião era a última tentativa de salvar o pai das garras da monstra Luzia – e parecia que não estava se desenrolando como planejada.
Discutiam hipóteses para explicar o inexplicável – desde um início de senilidade até o uso de “trabalhos” de videntes que “trazem seu amor em sete dias, pagamento após o resultado” – mas, uma a uma, as hipóteses eram descartadas. Apesar da péssima escolha, o senhor não apresentava sinais de senilidade. Quanto ao uso de forças ocultas, com exceção de uma das noras, eram todos suficientemente céticos para sequer discutir o assunto.
O filho do meio passou como flecha pela sala ao lado.
– Vou embora. Cansei de pai adolescente problemático. Faça ele o que quiser da própria vida.
Sua esposa se levantou, deu um tchau rápido para os demais e foi atrás do marido louca para saber os detalhes da reunião principal.
A filha mais nova foi a segunda a aparecer, com lágrimas nos olhos. Fez um gesto para o marido que ainda pensou duas vezes em se despedir do sogro e cunhados, mas desistiu quando viu o desespero de sua mulher. Apenas acenou para os presentes e foi andando atrás dela.
Ficaram os três restantes num silêncio constrangido por algum tempo. Tudo já tinha sido falado. O pai não era deles. Não podiam fazer nada e já estavam cansados do assunto que tomava conta de cada reunião familiar, do tempo de lazer, dos almoços e jantares de fim de semana, e que ofuscava com sua sombra os bons momentos em família. Terminaram de beber o vinho. A sala ao lado estava por demais tranquila. Bateram à porta e entraram. O sogro falava com os filhos e, sem interromper-se, fez sinal para que entrassem. Assim, puderam ouvir e participar do veredito final. – Não gosto da Luzia mais do que vocês, mas estou cansado de ficar sozinho. Ela me acompanha, coisa que vocês não podem fazer. Têm suas vidas, trabalhos, famílias. Não vou ficar acatando opinião de filho sobre minhas namoradas. Não vou aceitar filho meu exigindo que eu escolha entre uma e outra. Não vou escutar adulto que eu criei me chamando de adolescente apaixonado. Aliás, sou tudo, menos apaixonado. Conheço cada defeito da Luzia, muitos que vocês desconhecem. Se eu quiser, me caso com ela, e não tem nada que vocês possam fazer a respeito. E, aliás, ultimamente tenho pensado nisso. Mais para mostrar a vocês quem manda, do que para atender aos pedidos da chata da Luzia. E quem quiser que vá ao casamento. Lua de mel em Paris. Podem me encontrar lá também. Nada a opor. E, ai da Luzia que ache ruim!