Como o deus Janus

Como acontece todo final de ano, me vem à cabeça a figura do deus romano Janus que, simultaneamente, olha para frente e para trás. Diferente dos outros deuses romanos, ele não tem seu correspondente na mitologia grega. É romano e ponto final. 

Representa os começos, portais, portões, transição, passagens, tempo, dualidade e finais. É o deus dos inícios e das escolhas. Sua dupla cabeça olha para lados opostos representando o passado e o futuro. Há quem atribua o nome do primeiro mês do ano a Janus. Janeiro. Virada, recomeço, transição, passagem. 

A cada final de dezembro, como Janus, olho simultaneamente nas duas direções. Penso no que fiz e no que pretendo fazer no ano que começa. Todo ano a mesma coisa, sempre olhando mais para frente do que para trás.  

Esse ano está sendo diferente. Me obrigo como nunca a pensar no que passou, pois tantas mudanças têm que servir para alguma coisa. Me forço a parar para tentar entender e tirar lições do que vivi. Do que todos, sem exceção, vivemos. 

Foi o ano do aprendizado, por bem ou por mal. Tivemos que nos adaptar para sobreviver. 

Aprendemos a nos cuidar, a usar máscaras, a lavar exaustivamente as mãos, a cortar cabelo e a usar como nunca a internet. 

Aprendemos que um vírus vagabundo que morre com água e sabão foi capaz de mudar o mundo e matar tanta gente. Só isso já dá um bocado o que pensar. 

Planos foram por água abaixo e ocupações tradicionais foram postas para hibernar enquanto oportunidades surgiram e novas profissões foram criadas. 

Foi necessário nos darmos as mãos. O tradicional “salve-se quem puder” nos levaria, todos, a pique.

Nunca se leu tanto sobre matérias tão diversas quanto imunologia, pandemia, infectologia, sociologia, psicologia e por aí vai. Lives, muitas, fake news também. Ficamos mais atentos e passamos a checar a origem antes de passar a noticia adiante.

Povos se uniram divulgando conhecimento e informação. O super-especialista em sua área percebeu que precisa olhar para o mundo como um todo. A palavra “interdisciplinariedade” virou mais do que moda – passou a ser uma necessidade. O conhecimento de um único assunto não nos leva muito longe nesse mundo tão complexo. Somos interdependentes. Juntos, buscamos saídas. Criamos vacinas. 

O isolamento, paradoxalmente, nos uniu. Aprendemos a trabalhar de casa, tivemos que dividir espaços, organizar horários, usar Zoom, Cisco Webex, Teams e não sei mais quantas ferramentas para nos conectarmos com alguém que poderia estar na esquina ou em outro continente.

E assim começa 2021. Hora de olhar para frente olhando também para trás para que seja o ano em que ponhamos em prática todas as lições aprendidas em 2020: dar valor às coisas certas, cuidar e nos preocuparmos uns com os outros, abdicarmos de alguns prazeres individuais em nome do coletivo e… seguir em frente que atrás vem gente! 

Que Janus nos abra as portas, portais, portões, passagens, e nos ajude nas nossas escolhas e recomeços. 

E que 2021 seja o ano da vacina, da virada, da VIDA!!!  Feliz ano novo para todos nós!