Escrevo de dentro de um avião, eu mesma frequentadora assídua da ponte aérea – coisas do coração e, agora, também de trabalho. Mas não é sobre mim a história.
Aconteceu com um amigo, contada por ele mesmo ou eu não acreditaria.
Meu amigo é um advogado de sucesso que vive correndo – ou melhor, voando – de um lado para outro, o que torna redundante dizer que seu tempo é curto. Aliás, é curto para todos nós, mas poucos fariam o que ele fez para otimizá-lo.
Era 5ª feira, véspera de um feriado e o nosso advogado se via num mau-humor do capeta sentado na primeira fila do avião se perguntando porquê tinha aceitado ir para São Paulo se reunir com um cliente. A resposta era óbvia: o cliente era importante. A ida para a casa de praia ficou para o dia seguinte, hora do rush, e ele já estava resignado com o trânsito na estrada, a reclamação das crianças e o mutismo da esposa. Embarque encerrado, portas fechadas, “cross-check confirmado”, e seu celular apitou. “A reunião foi cancelada”.
Como?? Agora?? Assim, em cima da hora?
Cada pessoa tem uma reação. A minha seria ficar sentadinha, amaldiçoando o cliente durante o voo, checando no celular o próximo voo de volta disponível, amaldiçoando, também, a droga do wi-fi do avião. Há quem rosnaria para a aeromoça, ou responderia a mensagem “já estou na droga do avião, p#®!”. Há ainda os que veem a vida em tecnicolor, que ligariam para casa para dar a boa noticia para a mulher “Vamos hoje para a praia!” sem pensar que antes de entrar no carro ainda teriam pela frente uma ida para São Paulo, um estresse para conseguir antecipar o voo de volta em véspera de feriado, e o tal voo de volta.
Meu amigo teve uma reação diferente. Levantou-se e começou a gritar.
– Me tirem daqui! Esse avião vai cair!!
As comissárias vieram. De alguma forma o piloto foi avisado pois o avião, que já iniciava um movimento, parou.
– Fique calmo, senhor. Não vai cair, não…
– Vai, sim!! – berrava. – Tive uma premonição! Já tive outras! Sonhei que o avião da TAM ia cair. E caiu!! Esse vai cair também!
Uma aeromoça buscava acalmá-lo enquanto a outra tentava administrar a confusão formada. Alguns passageiros, os céticos e impiedosos, queriam bater no doido. Outros se perguntavam o quanto uma premonição pode se concretizar. Meu amigo continuava vaticinando o fim de todos a bordo.
– Vai cair! Eu sei que vai cair!
– SP – sussurrou uma comissária para a outra.
– SP a bordo, ela retransmitiu pelo interfone à cabine do piloto.
Quem voa muito sabe que SP é “síndrome do pânico”. E sabe, também, que quando é possível, o passageiro é retirado da aeronave.
O plano tinha funcionado. O feriado estava salvo.
Quanto ao feriado das seis senhoras apavoradas que saíram atrás dele…
Síndrome do Pânico contagia.
…
Outra história que me contaram – verídica, sempre verídica: O sujeito vinha num voo internacional com conexão em São Paulo onde pegaria outro avião para o Rio, seu destino final. O voo foi cansativo, o avião pulou que nem touro bravo por conta de uma tempestade e ficou rodando sobre São Paulo sem poder aterrissar. Acabou sendo desviado para o Rio, destino final do sujeito. Já em solo, ele soube que não poderia desembarcar.
– Como não posso descer? Moro no Rio, quero ir pra minha casa.
– Não pode, senhor. Só podemos liberar os passageiros no nosso destino final.
– O seu destino final não é o meu. O meu é aqui. Quero descer!
O tumulto se formou. Outros passageiros, na mesma situação, também queriam desembarcar.
O homem, plantado em frente à porta, mochila nas costas, insistia. Atrás dele uma fila se formava. Os comissários tentavam convencer os passageiros a voltarem para os seus lugares.
Então, fez-se um milagre. A porta do avião foi aberta para que um funcionário do aeroporto entregasse uns papéis. Os papéis entraram, o passageiro saiu.
– Volte aqui! Volte imediatamente! – gritava a aeromoça num “portunhol” carregado. – Vuelva acá! Vuelva acá!! – e seguia gritando enquanto barrava a fila atrás dela.
A polícia federal foi acionada.
– O Sr. tem que voltar para o avião. Não pode desembarcar – falou o policial.
– Posso sim. Já desembarquei. Sou cidadão brasileiro, estou em solo pátrio, essa nave é alienígena e essa senhora está querendo me sequestrar – e apontava para a comissária. – Cheque meus direitos. Não vou embarcar. Daqui não saio. Aqui é meu país.
O plano não planejado deu certo. A lei do país se sobrepõe às normas da aviação. O homem estava em solo brasileiro e a companhia aérea não podia fazer nada.
– E a sua mala? O Sr. vai abandoná-la?
– Vou. E acho melhor desembarcar a mala também. Bagagem não pode ir desacompanhada. Vai que tem uma bomba…
Mala e passageiro ficaram em solo pátrio, e ele não soube me dizer o que aconteceu com os descontentes que tiveram que ficar dentro da aeronave alienígena. Provavelmente esperaram a tempestade sobre São Paulo passar antes de decolarem para lá onde fizeram uma conexão de volta para o Rio.
…
Uma última história (veracidade confirmada!) é a seguinte: um conhecido contou uma piada ao seu amigo do mercado financeiro e, apenas para facilitar, contou na primeira pessoa do singular.
– Cara, imagina que eu estava no avião pra São Paulo, o comandante deu as boas vindas aos passageiros, passou as informações de voo e tal, desejou uma boa viagem e esqueceu de fechar o som. Daí falou pro co-piloto… – e emendou a tal piada… (impublicável – nota da autora).
Não desmentiu que a história era piada, mais por distração, porque a história já tinha emendado em outra, afinal história de ponte aérea é o que não falta.
Dias depois recebeu um telefonema. Era o tal amigo do mercado financeiro.
– E aí, cara, tudo bem? – ao fundo o barulho típico de escritório.
– Tudo tranquilo. Agora, dá pra você confirmar que a história do avião aconteceu mesmo com você? Tem gente que não acredita dizendo que é piada velha.
– Pô, cara, claro que é piada. E você acreditou?
Do outro lado da linha explodiram gargalhadas. Muitas. E gritos de comemoração. E o que mais se ouvia era “ganhei!”, “ganhei!”, “paga a aposta!”
Quem mandou contar história sem checar a veracidade, logo para a turma do mercado?
…
P.S.: uma última, rapidinha, meu avião vai pousar.
Um conhecido, senhor educado com jeito de lorde inglês, voava sempre na primeira fila. Fazia questão de desembarcar em primeiro lugar. Nesse dia de voo lotado, sentou-se na quarta fila. O avião pousou, parou na pista e ele se levantou antes de autorizado. A aeromoça veio como uma flecha em sua direção. O avião andou novamente, freou de repente, ele se desequilibrou e se esborrachou em cima dela. Levou, é claro, uma bela bronca.
– Viu o que aconteceu? Volte já para o seu lugar.
Todos olhavam a cena.
Eu teria morrido de vergonha, ele não. Com sua fleugma britânica, teve coragem de perguntar:
– Foi bom pra você também?
4 respostas
AMEEEII Que pessoas loucas, me diverti muito!
Delicia de ler!!!! Aguardando os próximos….
Bjs
Ótimas, Eunice!
Me diverti e ri muito.
Obigado.
Muito Divertidos Eunice , só loucos na ponte aérea – ( imaginados ou não) , bjs Parabéns , adorei!