Ler é importante, não importa o quê. O “não importa o quê” pode soar estranho mas pode ser também a ponte para uma leitura de qualidade melhor.
Chegou a mim uma pesquisa que apontava um dado triste: a baixa taxa de leitura no Brasil. Mostrava que 52% dos brasileiros, os considerados “leitores” (*) leem pouco mais de um exemplar a cada três meses, menos de cinco livros por ano. Enquanto isso, na França, outra pesquisa preocupava pela queda da média anual de leitura, de 16 para 15 livros anuais… Lá são lidos dez livros a mais por pessoa, por ano – e eles estão preocupados!!
Fui atrás dos motivos para tão baixa taxa de leitura (no Brasil, claro!). A resposta não é simples. Envolve fatores tão díspares quanto o histórico da alfabetização, tardia, dos brasileiros, o preço dos livros, a falta de bibliotecas, o analfabetismo funcional…
Motivos e desculpas, quaisquer que sejam eles, levam a um grande vilão: a ausência do hábito de ler. Trocando em miúdos: as pessoas não leem porque não estão acostumadas. Quando têm um tempinho sobrando vão para a frente da TV ou ouvem programas de rádio (sim, isso existe!), ou buscam outros passatempos que vão de palavras cruzadas a jogos baixados nos celulares, passando por Sudokus e afins. Mas, se do céu lhes caísse nas mãos um bom livro, aposto que muitos leriam com prazer.
O hábito de ler, como todo hábito, vem com o tempo. Vem da facilidade de acesso ao livro e do prazer que este proporciona. Por isso, escolher o que se vai ler é importante, e aqui vai meu recado: o critério deve ser exclusivamente o do prazer ao leitor. O critério da qualidade da leitura é um passo além, e se o objetivo é criar o hábito de ler, não deve nem ser muito considerado. Com o tempo o próprio leitor passa a ser mais exigente, seu gosto se apura e ele vai buscar uma leitura de melhor qualidade.
Converso com crianças em salas de aula e pergunto se gostam de ler. Criança é um bicho honesto e muitos dizem que não. Falo que quem não gosta é porque ainda não encontrou um livro legal. Eu os incito a procurar um, e não adianta “colar” do amigo porque, o que é legal para um pode não ser para o outro. Vale tudo: o gibi que faz rir, a aventura que prende, um romance, o que quer que seja.
Encontrei uma criança de dez anos que disse ler poesias. A informação foi confirmada pela professora. Conheci outros que só leem gibis e uma garota que adora a Caras. Ótimo! Do gibi e da Caras se pula para mangás, romances, aventuras, e quem sabe, se chega à poesia que a garotinha de dez anos já lê. E mesmo que fique no gibi e na Caras, o leitor não verá neles erros de português ou de concordância verbal. Vão entrando na cabeça a grafia das palavras e a construção correta das frases. Está valendo como leitura. E ao longo do caminho pode ser que a criança chegue naquele livro que vai prende-la na poltrona, tirar algumas horas do seu sono, faze-la perder a hora de voltar do recreio para a sala de aula.
Pronto! Ela está fisgada! Bem vinda ao mundo dos livros!!
E, aos pouquinhos, vamos melhorando o resultado daquela pesquisa…
(*) É considerado “leitor” aquele que leu, todo ou em parte, ao menos um livro nos últimos 3 meses – Fonte: Retratos da Leitura no Brasil – instituto Pró livro IPL – 2015
2 respostas
Discordo, não do artigo, que não li, mas, da sentença: há benefícios em ler não importa o quê. Se enunciada em termos afirmativos. Qualquer ação alienada é produtora de morte. Ou da pior morte que é a morte em vida. Eu amo ler. Porém, não há proveito em ler qualquer coisa. Não estou aqui discutindo qualidade do que se lê. Isto é subjetivo. Discuto, sim, certa idolatria vazia e logocêntrica da leitura sem paixão e sem proveito. A leitura alienada pode produzir verdadeiros idiotas. É muitíssimo importante saber-se porque estamos lendo e o que escolhemos ler. Há muita mistificação arrogante do livro e de seus poderes mágicos. É impossível pensar em uma vida intelectual plena sem leitura. Mas, não é simplesmente ler que dá a ninguém uma vida intelectual plena.
Cláudio, leia o artigo! Num mundo perfeito todos gostariam de ler e a grande preocupação seria com a QUALIDADE. Estamos longe da perfeição mas acredito firmemente que um primeiro passo para atingi-la seja estimular a leitura “do que quer que seja” como ponte para apurar a qualidade. Trocando em miúdos: o hábito de ler torna o leitor mais exigente. Um abraço!