– E aí, você tá namorando?
Não, Clara não estava namorando. Tinha acabado de se separar – um ano já!? – e não tinha vontade de sair com ninguém.
– Ótimo! Então meu irmão vai te ligar. Ele está solteiro, e quero que vocês se conheçam.
Clara riu. Gostava da praticidade da amiga e sentia falta do tempo em que se viam seguidamente. Fazia muitos meses que não conversavam, Denise morando em São Paulo, e ela, no Rio.
Botaram o assunto em dia. Conversaram tanto, e por tanto tempo, que Clara demorou a perceber de quem Denise estava falando.
– O nome dele é João.
– Dele quem?
– Do meu irmão…Ele vai te ligar, já falei de você para ele.
– Claro, vai ser um prazer conhecer o João – Clara falou sem muita convicção. Sua vontade de fazer novas amizades era zero, muito menos de enfrentar um encontro às escuras, ainda que com o irmão da querida Denise. Voltar a namorar, então, prestes a fazer cinquenta, e depois do fim de um casamento de muitos anos, estava fora de questão.
Clara já tinha esquecido o assunto quando, três dias depois, recebeu uma ligação de um número desconhecido, prefixo 011, São Paulo. Já ia declinar a chamada quando se lembrou da conversa com a amiga e atendeu. Estava com tempo e era melhor ser gentil logo de uma vez para não ter que retornar o chamado depois. Era ele mesmo, o João.
Clara surpreendeu-se com o que veio a seguir. A voz dele lhe soava familiar e tranquila, e a conversa fluiu, algo inesperado já que Clara não era de conversar ao telefone, muito menos com quem ela não conhecia.
João ligava para contar que viajaria no dia seguinte para fora do Brasil, mas que na volta, daí a duas semanas, ligaria para ela. Clara sorriu. Conhecia bem a amiga, e imaginou o quanto ela deve ter perturbado o irmão a ponto dele telefonar apenas para dizer que ligaria em quinze dias.
Mais uma vez esqueceu o assunto até que recebeu nova ligação de prefixo 011, dessa vez com “João irmão da Denise” estampado na tela. Atendeu com um prazer inexplicável.
Novamente conversaram e dessa vez seu coração se acelerou. De novo o assunto fluiu como se falasse com alguém íntimo e muito querido. As ideias afloravam, as palavras vinham fáceis, a voz dele a embalava, e Clara se encheu de alegria com a notícia de que ele estava vindo ao Rio e, se ela estivesse livre, poderiam se encontrar. Marcaram data e hora e Clara desligou surpresa. Tinha acabado de combinar uma blind date com um desconhecido, um jantar a dois.
Denise soube do encontro marcado e tratou de mandar uma foto do irmão. João tinha, finalmente, um rosto, e Clara gostou do que viu – um sorriso que, como sua voz ao telefone, lhe pareceu familiar.
Combinou buscá-lo no hotel em que estava hospedado. Despediu-se dos filhos dizendo que estava indo jantar com um amigo e que logo estaria de volta, e saiu já um pouco atrasada para o encontro que mudaria para sempre a sua vida.
Do momento em que o viu teve a sensação de que definitivamente o conhecia. Seu jeito de caminhar, de abrir a porta do carro, de lhe beijar a face, de agradecer por ter ido buscá-lo… Nada do esperado desconforto do encontro com alguém de quem só se conhece o rosto por uma foto. Nenhuma formalidade, apenas a alegria e o prazer de estar com o João finalmente materializado à sua frente. Conversaram. No trajeto, amenidades, até chegarem ao restaurante, que estava lotado. No bar, aguardando a mesa ficar pronta, veio o primeiro brinde: “a nós!”. Riram.
Quando se sentaram para jantar parecia que se conheciam de uma vida inteira. Seguiram falando de assuntos vários, afinal a fase das “amenidades” tinha ficado para trás. Conversaram sobre casamentos desfeitos, expectativas não realizadas, filhos, dores, e de coisas alegres, também. Deram risada e Clara emocionou-se com uma história que João contou. Acabados os pratos, pediram sobremesa e depois um café. Não tinham vontade de sair dali.
– Tenho a impressão de já ter te encontrado.
– Eu também. Desde que ouvi sua voz.
Desfilaram a lista de amigos comuns – muitos! – mas não chegaram à conclusão de onde poderiam ter se cruzado.
– Não importa – Clara capitulou. – Sempre que vier ao Rio me fale. E trate de trazer a Denise com você.
– Prefiro vir sozinho – ele piscou. Semana que vem voltarei a trabalho. Você tem compromisso?
***
Viveram a semana pensando um no outro. Tentavam descobrir de qual lugar se conheciam, em vão. Trocaram mensagens, todos os dias.
No sábado seguinte passaram o dia juntos e o prazer de estarem na companhia um do outro só fazia aumentar. Conversavam com a urgência de se conhecerem mais e mais, como se buscassem recuperar um tempo perdido, e viver cada segundo do que estava por vir. Lamentaram as horas e minutos que escoavam sem que pudessem fazê-las parar. No dia seguinte Clara teria um almoço em família inadiável e João voltaria para São Paulo.
Despediram-se, olhos nos olhos, e Clara teve certeza de que o conhecia bem. Não só seus olhos e sua voz, como também o gesto de ajeitar uma mecha do seu cabelo que havia se soltado, a forma como ele se antecipava para abrir a porta, seu sorriso, o movimento de suas mãos ao falar. Tudo nele lhe era familiar e terno.
Beijaram-se – não apenas uma união de bocas, mas, de almas. Um beijo saudoso de outros beijos não dados em um tempo que havia ficado para trás.
No fim da semana seguinte João voltou ao Rio. Ele não voltava a trabalho, pegava um avião para lhe ver.
E quantas vezes depois disso, inúmeras vezes ele veio, e quantas ela foi vê-lo também, até que puderam ficar juntos de vez.
Juntos novamente, melhor dizer, já que não era a primeira vez…